Humanos deram hanseníase a tatus – agora eles estão devolvendo para nós
A hanseníase é uma doença antiga, a doença mais antiga conhecida por estar associada a humanos, com evidências de corrosão óssea e deformidades características encontradas em cemitérios na Índia desde 2.000 a.C.
Portanto, é natural que muitos pensem que a doença é uma relíquia do passado. Meus estudos em 2018 em um estado brasileiro onde a doença é prevalente mostram que a hanseníase está mais perto de nós do que podemos pensar, entretanto. A doença está crescendo em tatus. E embora esses animais não sejam exatamente o tipo fofinho que atrai os humanos, o contato entre tatu e humanos está se espalhando. E, quando as espécies interagem, os tatus estão devolvendo a lepra.
Um animal feio, uma doença pior
A lepra, também chamada de hanseníase, é causada pela infecção pela bactéria Mycobacterium leprae, causando lesões cutâneas, lesões nervosas, desfiguração e incapacidade, levando à estigmatização social comum às pessoas com esta doença. É transmitido principalmente por infecção por aerossol, ou tosse e espirro, de pessoa para pessoa.
Normalmente, a infecção requer viver em contato próximo com um indivíduo infectado não tratado. Os sintomas se desenvolvem lentamente, até três a sete anos após a infecção. É raro nos Estados Unidos, com uma média de menos de 200 casos diagnosticados por ano nos últimos 10 anos, principalmente em indivíduos que imigraram de países estrangeiros onde a doença é prevalente. É encontrada principalmente em países tropicais como Brasil, Índia, Indonésia e outros países da África, sudeste da Ásia e ilhas do Pacífico. Ocorreram 214.783 novos casos em todo o mundo em 2016.
Embora os medicamentos para tratar e curar a hanseníase sejam baratos e disponíveis gratuitamente para qualquer pessoa diagnosticada com a doença, bolsões de alta incidência em dezenas de países evitou que os números diminuíssem muito nos últimos anos. As causas profundas das altas taxas de prevalência continuam a ser a pobreza, o saneamento e a nutrição deficientes e a falta de disponibilidade de cuidados de saúde para tratar as pessoas diagnosticadas antes que ocorram danos nos nervos e deficiência.
Entre os tatus
Dasypus novemcinctus, comumente conhecido como tatu-nove-bandas nos Estados Unidos ou tatu-galinha no Brasil, é a única espécie cuja distribuição inclui Norte, Centro e Sul América. Esses tatus primeiro ampliaram seu alcance do México ao Texas por volta de 1850 e depois seguiram para o norte e leste para os estados do Golfo do sul dos Estados Unidos. No final dos anos 1940, outro grupo de tatus escapou do cativeiro no centro da Flórida e se espalhou por toda a Flórida, eventualmente se fundindo com o Tatus texanos no início dos anos 1970 no Panhandle da Flórida.
Por volta dessa época, a Dra. Eleanor Storrs descobriu que tatus infectados com M. leprae experimentalmente acabavam apresentando sintomas de hanseníase, mesmo tendo as mesmas lesões de pele e lesões nervosas encontradas em casos humanos. Pouco depois disso, ela e sua equipe descobriram que os tatus que viviam na natureza no Texas e na Louisiana eram naturalmente infectados pelo M. leprae. A análise de amostras de soro arquivadas para anticorpos específicos para a bactéria indicou que os animais dessa área provavelmente foram infectados desde 1960. Não está claro exatamente como os tatus foram infectados por humanos, mas uma teoria é que eles o pegaram em solo contaminado cavando. Pesquisas com tatus nos estados do Golfo revelaram que até 20% estavam infectados com M. leprae.
No início, a suscetibilidade dos tatus à hanseníase foi um impulso para a ciência e a medicina. Por serem o único animal além dos humanos em que a bactéria poderia ser isolada, os tatus permitiram que os cientistas estudassem a hanseníase e possíveis tratamentos.
Agora, existem milhões de tatus no sul dos Estados Unidos, e as pessoas interagem com -los de várias maneiras. As carapaças de couro dos animais foram transformadas em bolsas e botas; alguns foram mantidos como animais de estimação em casa ou trazidos para entreter as pessoas em zoológicos, escolas infantis e em corridas de tatu em feiras municipais. Em certas áreas, as pessoas os caçavam para servir em churrascos.
Toda essa exposição eventualmente teve consequências. Em 2011, o Dr. Richard Truman, do National Hansens Disease Program em Baton Rouge, Louisiana, publicou um estudo mostrando que a cepa que infecta a maioria dos tatus e pacientes com hanseníase nativa no Texas e na Louisiana eram idênticos, indicando que a doença era uma infecção zoonótica sendo transmitido aos humanos.
Em 2015, outro estudo do mesmo grupo descobriu que um tipo diferente de cepa que existia apenas no centro da Flórida estava causando um segundo grupo de casos em tatus e humanos.Ambas as reportagens causaram uma grande cobertura na mídia, com as pessoas ficando um tanto surpresas e alarmadas que este animal desajeitado e não muito fofinho estava transmitindo a mais velha e uma das doenças mais temidas aos humanos. Ainda assim, uma vez que a excitação diminuiu, a maioria das pessoas provavelmente retomou seu comportamento com esses animais, ignorando os possíveis riscos envolvidos.
O que vai, volta: O mesmo é verdade no Brasil
Duas coisas se destacam no Brasil. Tatus são nativos da América do Sul; e a lepra, trazida pela primeira vez ao Brasil há mais de 500 anos pelos exploradores europeus e por meio do tráfico de escravos da África Ocidental, tem se espalhado lá por centenas de anos. Sabendo disso, nossa equipe de pesquisa queria saber quanto contato humano havia com tatus no Brasil e se isso poderia levar à transmissão da hanseníase por esses animais, como havia sido mostrado no sul dos EUA
Nosso estudo se concentrou em pessoas que vivem em uma área rural no oeste do estado do Pará, na Amazônia brasileira, na cidade de Belterra. As pessoas que viviam lá comiam tatus com frequência como fonte de proteína. E havia muita interação do povo desta cidade com os tatus: 19% caçavam os animais nas matas e 65% limpavam a carne para cozinhar ou comiam tatus pelo menos uma vez por ano. O percentual de pessoas com resposta positiva de anticorpos para a bactéria (63% eram positivas, normal para essa região) indicava que a maioria das pessoas havia sido infectada pelo M. leprae.
Surpreendentes 62% dos tatus mortos por caçadores mostraram sinais de infecção pelo M. leprae, uma taxa três vezes maior do que no Texas e na Louisiana. Mais importante ainda, um grupo de 27 indivíduos que comia carne de tatu com mais frequência tinha níveis de anticorpos 50% mais altos do que outros grupos, indicando que o consumo aumentado quase dobrou o risco de doença. O estudo concluiu que, semelhante aos estados do sul dos Estados Unidos, a hanseníase está sendo transmitida de tatus para as pessoas no Brasil.
A mensagem mais ampla sobre este trabalho é que animais selvagens abrigam todos os tipos de doenças que podem ser transmitidas aos humanos, principalmente quando pode haver contato com sangue ou ao comer a carne. Embora a hanseníase continue sendo uma doença com a qual poucas pessoas nos EUA se preocupam, as pessoas devem tomar cuidado com a forma como interagem com os tatus.